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CONTRA A ‘CAPACIDADE’
Hannah Proctor
Este texto foi originalmente publicado em inglês, em Unconsciousness raising, substack de Hannah Proctor.
Dizer-se “eu não tenho capacidade” soa quantitativo, como se as pessoas fossem reservatórios que podem conter uma certa quantidade de líquido, mas não define nem o conteúdo do líquido nem o contexto ou forma do reservatório. Algo na maneira como o termo é usado assemelha-se estranhamente compatível com as concepções Tayloristas do início do século vinte quanto à eficiência do trabalhador. Acabei de dizer que as pessoas se referem à capacidade como se fosse um recurso finito, mas na verdade o termo soa mais ao depósito do que ao combustível, e nesse caso onde ficam ou o que são as estações de serviço, as refinarias, os campos de petróleo? Deveríamos nós estar à procura de fontes de energia alternativas?
Uma falta de capacidade pode fazer referência à falta de tempo, algo que é objetivamente mensurável, mas há muitas razões para as pessoas não terem tempo suficiente - trabalho, responsabilidades de cuidado, outros compromissos políticos, passatempos - e o termo também é, com frequência, usado de forma mais ambígua e qualitativa. O esgotamento da capacidade pode ser de ordem prática e/ou emocional. Mas quem ou o que é que está a minar a capacidade? A capacidade localiza as deficiências de tempo ou energia no indivíduo que detém capacidade, reconhecendo apenas implicitamente as condições sociais mais amplas que podem impedir um envolvimento político sustentado e ignorando os seus aspectos emocionais mais nebulosos que também desgastam. Às vezes, quando as pessoas dizem que “não têm capacidade”, querem dizer “estou a trabalhar imenso agora” ou “tenho de tomar conta do meu filho doente” ou “estou a ser despejada e a tentar encontrar um novo lugar para viver”, mas outras vezes podem querer dizer “não me apetece” ou “estou aborrecida com todos” ou “preferia estar envolvida noutro projeto” ou “não me posso dar a esse trabalho”.
Talvez seja útil nomear com mais precisão as causas e as ramificações emocionais deste esgotamento generalizado. Afinal, as próprias condições que diminuem de forma desigual a “capacidade” das pessoas são muitas vezes precisamente as coisas que exigem organização política para serem transformadas. Se calhar porque ninguém tem a capacidade de inventar novos conceitos. Talvez esteja apenas a ser indelicada - há certamente boas razões para às vezes se ser eufemística - e é obviamente bom reconhecer que as pessoas têm limites e outras coisas a acontecer nas suas vidas sobre as quais talvez não queiram entrar em pormenores. Mas não seria melhor reconhecer de forma mais clara que esses limites e constrangimentos não são características essenciais das pessoas que se assemelham a reservatórios? A sua capacidade - tempo, energia, desejo, o que quer que seja - para se envolverem na atividade política é moldada pelas condições materiais externas em que vivem. É necessário descrever essas condições para as mudar.
Talvez esteja errada quanto a isto, mas, por agora, sou contra a “capacidade”.